DE JOSÉ CABRAL

O on the road de José Cabral pela geografia norte-americana condensa-se nesta notável obra que confirma o lugar único que o artista ocupa na fotografia moçambicana.

Digo geografia em sentido amplo. Um território de gente e highways, prédios altos e stores rasos rentes à altura da variada gente onde por vezes é notória a sua precariedade. Gente, geometrias arquitectónicas onde se sente um “desculpe mas mantenho a minha distância” diante da múltipla excepcionalidade que é suposto glorificar-se. Mas José Cabral é um fotógrafo-leitor. Sabe da poesia-campo e vem sendo, a seu modo, um homem da nossa moçambicana beat generation. Tropeçou em Henry Miller. Entre nós, vem sendo um Jack Kerouak da imagem. O que falámos nas tardes tórridas e melancólicas de Maputo!. A nossa route sixty six é também um extenso território entre motéis da alma, cantinas à beira da estrada, uma iluminada noite equestre até à jubilação do dia ainda por acontecer. 

José Cabral andou pelos jornais onde não lhe agradou por aí além o foto-jornalismo que é predominante (ou foi)  e que praticou com mestria derivando para o perigoso jogo dos espelhos, das emboscadas da luz, da volatilidade táctil do desejo, da relação, dos afectos mais pessoais, de uma historicidade que uma épica ufanista teimava em desconsiderar. 

Imaginem que até fez fotografia em laboratórios da academia. Quando saiu para a rua, o que lhe interessou foi o contraditório, imaginativo, precário, jubiloso mundo de uma moçambicanidade plural. E foi tudo próximo: os enquadramentos, uma espécie de menstruação quando na cidade passava o ar”, para citar Herberto Hélder. 

À solta, sem nenhum tio na América, José Cabral exibe neste seu trabalho um agudo olhar e um pudonor subtil E mostra-nos a”sua América” alheia ao famoso dream e onde há um silêncio prodigioso da imagem a ritmar uma música de dentro. Gente e situações banais, tantas que, ao menos para mim, julgo ouvir as notas das Gymnopedies de Satie. E a fera amansada na vulgaridade quotidiana dos dias a preto e branco da América. 

Luís Carlos Patraquim.

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